segunda-feira, 23 de julho de 2012

Lorotas&Marmotas: Empresa Brasileira de Locação de Tuiteiros e Adict...

O escritor João Camilo e a burocracia

Trabalhei no prédio do Inps da Avenida Amazonas, 266, o mesmo em que o professor e escritor João Camilo de Oliveira Torres trabalhou e faleceu em sua mesa de trabalho, em 1973, menos de três anos antes de meu ingresso ali. Convivi com várias pessoas que trabalharam com ele, inclusive com uma secretária que os gozadores diziam ter matado o escritor. João passava o dia lendo e escrevendo em sua mesa de superintendente, enquanto processos, portarias, ordens de serviço, memorandos e outros expedientes aguardavam a sua assinatura. Exceto a secretária, nenhum de seus quase dez mil subordinados podia entrar naquele espaçoso gabinete de trabalho. Ela e somente ela, uma vez pela manhã, outra à tarde! Assim que ela entrava, visível era o descontentamento do professor, mergulhado na leitura ou na elaboração de alguma peça literária. E mais puto ele ficava, quando ela perguntava: - professoooor, onde eu coloco esta bandeja de processos? Já tendo respondido aquela pergunta centenas de vezes, João com ela gritou: - Jogue-a pela janela! Pela Janela! E ela, servidora cumpridora de seus deveres, premida pelo tacão da ditadura então vigente, não se fez de rogada e, num átimo, despejou a papelada lá do alto do décimo segundo andar. Atônito, João, acompanhando de uma ruma de puxas sacos, passou o resto da tarde arrecadando documentos que se espalharam pela Avenida Amazonas, pela Praça Sete e até pela Raul Soares.

UM TEXTO DO PROFESSOR
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Nas invisíveis asas das histórias - Leitor errante

Um leitor ou espectador mais atento irá perceber que Shakespeare conta a história de Romeu e Julieta em duas peças diferentes. A primeira, e talvez mais antiga delas, se encontra na peça “Sonhos de uma Noite de Verão”. Nela uma trupe teatral ensaia uma antiga peça grega, baseada na tragédia de amor de Príamo e Tisbe, que narra a história de dois vizinhos apaixonadas que porém enfrentavam uma peculiar dificuldade: o ódio entre as duas famílias e que terminam por conta disto e do destino, por encontrar a morte, lado a lado. É a mesma história de Romeu e Julieta, que Shakespeare não inventou – ela era contada tradicionalmente na península italiana antes dele criar a peça e talvez tenha se originado da lenda de Príamo e Tisbe. 

Mas Shakespeare era um só homem, por mais incrível que pareça, e uma história que viajou da Grécia para a península italiana não parece ser algo impressionante. Mas as histórias estão cruzando territórios bem mais longínquos e por período de tempo e culturas bem mais distantes do que o caminho percorrido por Príamo e Tisbe.  

Certa feita, durante uma aula da professora Sônia Queiroz em um curso de pós-graduação, ouvi a história contada pelo contador tradicional, Joaquim Soares Ramos, de Minas Novas, recolhida por pesquisadores da UFMG. A história, a “Pedra de Ouro” nos conta a trágica história de três jovens irmãos que abandonam o velho pai e a lavoura em busca de riqueza. É curioso notar as semelhanças incríveis com o “Conto do Vendedor de Indulgências”, presente no “Contos da Cantuária” de Geoffrey Chaucer. Ainda que em Chaucer, os três personagens principais encontrem a Morte e não o Diabo, e que eles não fossem irmãos de sangue, a história é basicamente a mesma. Altera-se o tesouro, a arma usada, mas mantém-se o veneno e a resolução final. 

“Os Contos da Cantuária”, em inglês “Canterbury Tales”, foi escrito por Chaucer no século XIV, na Inglaterra. Chaucer é considerado por muitos, um dos pais do idioma inglês moderno e da literatura inglesa que surgiria com o renascimento. Seus contos, escritos em versos, traziam marcas da moralidade religiosa daquele período e narravam a viagem de um grupo de peregrinos até a tumba de São Thomas Becket, e durante a viagem, este grupo diverso, reparte uma série de histórias, de maneira muito semelhante ao "Decameron" de Bocaccio. Chaucer, que conhecera a Itália, quando trabalhara como diplomata, alterou a literatura inglesa, até então muito germânica, abrindo-a para a influência latina, que foi de fundamental importância para uma nova métrica e linguagem que caracterizou Shakespeare e os poetas ingleses. 

Como, teria a história saído de um clássico inglês, quase inacessível, chegando até um contador tradicional como Joaquim Soares Ramos de Minas Novas ? A história, que talvez tivesse sido conhecida por Chaucer de um conto árabe, não é a única a realizar essa transmigração. Você pode comparar ambas as histórias aqui no site da Aletria: A Pedra de Ouro e O Conto do Vendedor de Indulgências, e avaliar se realmente encontramos uma prova da agilidade das boas narrativas. De Chaucer até Joaquim, do século XIV até o XX e da Inglaterra até Minas Novas! 

                                                          João Camilo de Oliveira Torres
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PREGANDO NO DESERTO. KKKKKK.  Se algum dia algum filho de Deus e de Minas Novas entrar por aqui que me ajude descobrir quem é Joaquim Soares Ramos, citado no belo texto do Professor João Camilo.

Um comentário:

  1. Home - Histórias
    A Pedra de Ouro
    Era uma vez um viúvo já bastante velho e sem forças para trabalhar, que tinha três filhos jovens e muito obedientes que faziam todo o trabalho da família, inclusive a lavoura.

    Um dia os rapazes estavam trabalhando na roça, quando apareceu um homem desconhecido, olhou-os e disse:

    - Bom dia!

    - Bom dia!

    - Os meninos estão trabalhando?

    - É, a gente ta trabalhando, porque nosso pai ta bastante avançado na idade, coitado, não pode fazer mais nada. A gente é que cuida dele.

    O homem pensou um pouco e disse:

    - Vocês são uns trouxas! Saiam pelo mundo, procurem outro trabalho. Se ficarem junto de seu pai a vida toda, não vão conseguir nada. Depois que vocês o deixarem, ele dá um jeito.

    – E despediu-se deles e saiu.

    Os rapazes refletiram sobre aquilo:

    -Ô rapaz, aquele homem é que ta certo. A gente não vai conseguir nada se ficarmos aqui só trabalhando para tratar de nosso pai. Vamos embora. É como o homem falou: depois que a gente sumir, nosso pai dá um jeito.

    E então os três jovens partiram, deixando o velho sozinho. Depois de muito viajarem, passando por uma mata, lá do fundo ouviram um grito.

    - Ôooo! Venham cá, ôooo! Se vocês querem ver o laço do capeta, venham aqui!

    Os rapazes pensaram bastante e decidiram:

    - Vamos lá pra ver como é que é esse laço do capeta.

    Caminharam bastante no interior da mata, até que, de repente, se defrontaram com o mesmo homem com o qual haviam conversado na roça.

    - Vejam, esta pedra de ouro é para vocês. Se vocês tivessem ficado com seu pai, teriam conseguido esta fortuna? De modo algum. Mas agora, tudo isto é de vocês.

    Os rapazes tentaram obstinadamente apanhar a pedra, que estava presa ao chão. Insistiram, relutantes: inútil; nenhum deles conseguia. Depois de várias tentativas frustradas, um deles teve uma idéia:

    - Ô, rapaz, se a gente bebesse uma cachaça, conseguia pegar essa pedra.

    - Pois é mesmo, moço. Olha, tem uma venda aqui perto. Vamos em dois, enquanto um fica aqui vigiando a pedra.

    Então, enquanto dois dos rapazes estavam a caminho da venda, o outro, que ficou vigiando a pedra, engendrava um plano para ficar sozinho com a riqueza:

    - Quando eles chegarem aqui com a cachaça , boto fogo neles, bebo a cachaça e fico com a pedra só para mim.

    Perto do botequim, um dos moços sentiu vontade de fazer cocô e, enquanto este entrou no mato, o outro foi depressa até a venda, comprou a cachaça e um veneno, que misturou à bebida, voltou e encontrou-se com o irmão, antes que ele pudesse chegar à venda.

    - Uai, ce já foi lá?

    -Já, moço, fui lá, já comprei e já tô de volta. Toma aqui um pouco.

    E deu a garrafa ao irmão, que, com vontade, a virou garganta abaixo, caindo morto no mesmo instante. O outro imediatamente apanhou a garrafa, pôs a tampa, guardou-a no embornal e seguiu, planejando:

    - Chegando lá, dou a cachaça ao outro mano e, quando ele cair, fico com a pedra.

    Enquanto isso, o rapaz que ficou vigiando a pedra pensava a mesma coisa:

    - Logo que eles chegarem aqui, deito fogo neles, bebo a cachaça e fico com a pedra para mim.

    Então, quando o jovem foi chegando com a cachaça, o irmão ateou-lhe fogo, matando-o. Em seguida lançou-se sobre o embornal, apanhou a garrafa e sorveu de um só gole a cachaça envenenada, caindo duro e teso com a garrafa na mão.

    Assim, morreram os três, e o laço do capeta permaneceu no meio da mata.


    (Contado por Joaquim de Minas Novas, versão de Vera Lúcia Felício Pereira, da Coleção Quem Sabe Faz, volume 17, da editora UFMG)
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